terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Relatório

No turno da tarde da escola Municipal, logo na hora da entrada, tenho os ouvidos massacrados pelo incansável apitinho dos dois inspetores de turno que, heroicamente, tentam conduzir o rebanho de dezenas, centenas, milhares de alunos às salas de aula. Os corredores abarrotados de estudantes, por vezes, me fazem lembrar os shows de rock de minha adolescência.Após dez minutos de gritos, apitos, alunos para todos os cantos, sobe-e-desce de escadas, alcanço, enfim, a porta da sala. Os dois ventiladores não são suficientes para cessar o calor dos mais de quarenta agitados alunos que estão à minha espera. À medida que entro no recinto, novos problemas se apresentam: paredes pichadas, carteiras quebradas, conversas paralelas, professores nas outras salas esgoelando-se...Descrevendo assim, parece um caos... E é. Mas se o filósofo pré-socrático Heráclito fosse vivo e lecionasse nesta escola, talvez enxergasse a ordem que existe naquela bagunça toda. O caos só existe por causa da ordem e vice-versa. Um se transforma no outro, pois, segundo o pensador, tudo sempre muda o tempo todo. E não é que o mesmo acontece com as aulas? Às vezes entro em sala e está aquela berraria, os alunos de pé ou sentados na mesa do professor. Céus! Mas a aula tem que começar e começa no meio da baderna. Vai, vai, vai, até que, sem que se sinta, minha voz destaca-se das outras e ecoa absoluta pela sala. Os alunos estão quietos e seus olhos fixos. Mas a voz solitária, depois de um tempo, quer escutar a deles e faz perguntas, lança provocações, pede para que leiam alto, questionem, critiquem. Aí um fala algo, o outro contesta, um terceiro não entende e pronto, como uma mágica: da bagunça gerou-se a ordem e desta, a reflexão. Tem dias, porém, que a sentença de Heráclito não funciona e da bagunça gera-se mais bagunça e nada do contrário surge. Tudo pode acontecer, cada dia é novo, o esforço é grande e - quando a aula fica redonda - a gratificação é dobrada.


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